Cardiopatia Congênita

Ouça a entrevista completa, realizada por Olga Goulart (Viva Mais Viva Melhor) ao Dr. Bruno Rocha, sobre a Cardiopatia Congênita.

Abaixo, a transcrição completa da entrevista:

Olga Goulart – Doença de nome complicado e que gera muita tensão nos pais e familiares, a cardiopatia congênita é um aspecto de anormalidade da estrutura ou função do coração que está presente ao nascimento. A evolução é muito variável, existem alterações que não alteram o tempo ou qualidade de vida e outras nas quais é impossível a vida extra útero. Entre esses dois extremos há uma infinidade de nuances possíveis de apresentações clínicas e de perspectivas de vida também.

Para falar melhor sobre o assunto nós convidamos o médico especialista em cirurgia cardiovascular, o doutor Bruno Rocha. Doutor, vamos explicar primeiramente o quê que é a cardiopatia congênita.

Dr. Bruno Rocha – Bom dia Olga, bom dia ouvintes. Bem, cardiopatia congênita, este é um tema delicado, pois envolve crianças, famílias, amigos e creio que nossa sociedade como um todo. É importante esclarecer ao ouvinte, em especial os pais e parentes de pessoas com alteração na formação do coração, tecnicamente conhecida como cardiopatia congênita. O que significa? Ao pé da letra cardiopatia é uma doença que ocorre no coração, congênita que ocorre no período intrauterino, ou seja, ainda no útero da mãe. As doenças, tanto no coração como em outros órgãos, podem ser consideradas adquiridas ou congênitas. A doença do coração adquirida é aquela que que se desenvolve no período pós-termo, ou seja, após o nascimento da criança. O que não se iniciou, Olga, ainda no período do feto ou intrauterino. As doenças congênitas do coração se desenvolvem usualmente no período embrionário, ou seja, naquele período de primeiro trimestre do desenvolvimento intrauterino. Estas podem ter característica hereditária ou não. Por exemplo, as doenças de características hereditárias são aquelas transmitidas através dos genes paterno ou materno, no qual ocorre uma alteração no genoma que propicia desenvolvimento de doença em qualquer fase da vida. No entanto, a maioria das doenças congênitas do coração não são hereditárias, ou seja, quem tem uma criança portadora de cardiopatia congênita, se esse filho ou mais adiante tiver filhos, provavelmente não terá a mesma doença.

Olga Goulart – Ok. Quais são essas causas, doutor, da cardiopatia congênita?

Dr. Bruno Rocha – Olga, vamos voltar um pouco para as diferenças entre o que a gente acabou de falar, sobre congênito e hereditário para que fique bem claro aos ouvintes. Uma característica hereditária ocorre quando os genes dos pais passam aos filhos de uma geração a outra, carregando uma determinada propensão a uma doença. Por exemplo, o gene responsável pela hemofilia, é uma doença do sangue que se expressa hereditariamente ligada ao cromossomo X, entre os filhos homens desta família estará a maior chance de portar tal doença. Então o que ocorre? Nós temos uma característica hereditária e temos uma característica por exposição. A possibilidade de algumas exposições, por exemplo, no período fetal como radiação, medicações, algumas doenças materno placentárias, que possam influenciar o desenvolvimento do feto, o feto normal, alterando aí o que a gente chama de embriogênese, o que concerne a formação do coração. Por exemplo a síndrome de rubéola congênita que se expressa com alteração, doença no coração, cardiopatia, pode alterar na formação dos olhos e etc., causado pela exposição do feto ao vírus da rubéola, assim como exemplo recente do Zika Vírus, a exposição do feto causando microcefalia.

Algumas doenças genéticas têm alta correlação com doenças do coração, como por exemplo a síndrome de Down, doença de Marfan, a síndrome de Williams, entre outras. Entretanto a maioria das malformações do coração não têm origem bem determinada, por isso que eu sugiro que haja um aconselhamento genético, avaliação genética com um especialista em determinadas condições.

Olga Goulart – Certo. Doutor, quais são os sintomas da doença, os sinais de alerta que porventura mães e pais poderiam ficar atentos para uma possível cardiopatia congênita?

Dr. Bruno Rocha – Olga, os sintomas são muito variáveis, porque existem centenas de cardiopatias congênitas e entre elas existe a possibilidade de haver combinação. Portanto, existem milhares de possibilidades de combinações entre elas. Eu queria deixar bem claro uma coisa, cardiopatia congênita é relativamente raro, estima-se que ocorra num bebê em cada 100 nascidos vivos, então nossos ouvintes não fiquem desesperados se alguns dos sintomas que nós apresentarmos o bebê tenha, pois provavelmente não se trata de cardiopatia congênita.

Então assim que o bebê nasce a cardiopatia congênita pode se manifestar por algumas alterações, dentre elas a insuficiência cardíaca, que em um bebê se expressa por dificuldade de mamar, volto aqui a dizer que isso não é uma característica só de cardiopatia congênita, é baixa oxigenação no sangue. E a partir do momento que a criança vai se desenvolvendo, as curvas de crescimento, de estatura, de perímetros e de peso da criança não são suficientes, o que dentro desse grupo de crianças com déficit de crescimento uma minoria tem cardiopatia congênita e outras que levantam alta possibilidade são crianças que já nascem com alguma síndrome genética, que tem conhecida correlação com cardiopatia congênita, como por exemplo uma criança que nasce com síndrome de Down, esta deve-se fazer uma investigação cardiológica assim que nascer para afastarmos ou confirmarmos a presença de uma cardiopatia congênita.

Olga Goulart – A pessoa pode nascer então com problema no coração e só perceber isso muito tempo depois?

Dr. Bruno Rocha – Sim! Por exemplo, nestes últimos 2 meses eu operei um senhor de 44 anos e uma jovem de 25 anos, ambos com cardiopatia congênita, sendo que ambos descobriram depois de adultos. Vejam só, nas décadas de 1970 e 1990 quando estes pacientes nasceram não tínhamos na Bahia um número e a qualidade num aparato para diagnóstico. O que é isso? Determinar se existe uma doença congênita como temos hoje. Estes pacientes e tantos outros só vem de encontro especialista depois de adultos, o que é o caso deles. Aqui vale ressaltar a importância da minha especialidade, a cirurgia e da cardiologia pediátrica porque nossa comunicação com os demais médicos é muito importante no momento em que haja a suspeita de cardiopatia congênita, não é? Estes pacientes operados que eu citei estão ótimos, estão se recuperando bem. Então sempre existe possibilidade do diagnóstico, mesmo que seja tardia.

Olga Goulart – Quais são os tipos de malformação mais frequentes?

Dr. Bruno Rocha – As cardiopatias congênitas mais frequentes são as de comunicação entre as cavidades ou câmaras do coração. Lembrando aqui anatomia ao ouvinte, o coração tem 4 cavidades, sendo 2 átrios e 2 ventrículos. Os átrios em si, o átrio esquerdo e o átrio direito não se comunicam normalmente, assim como os ventrículos, o ventrículo esquerdo e o ventrículo direito não se comunicam. Então respondendo a sua pergunta, quando existe comunicação interventricular, ou seja, entre o ventrículo esquerdo e o ventrículo direito, essa é a cardiopatia mais comum. E quando existe comunicação entre o átrio esquerdo e o átrio direito, que é a comunicação interatrial, também é outra cardiopatia comum.

Olga Goulart – E como faz para diagnosticar a cardiopatia congênita? Também quero saber a importância de um diagnóstico precoce.

Dr. Bruno Rocha – A avaliação médica é a primeira resposta. Desde o nascimento na maternidade, no hospital, ou se o parto for em casa, assim que possível a criança passar por uma avaliação médica. O Brasil desenvolveu o teste do pezinho há alguns anos, isso é conhecido, isso é obrigatório e também o Ministério da Saúde estabeleceu a necessidade do bebê recém-nascido fazer uma avaliação de oximetria assim que o bebê tenha nascido. Oximetria de pulso nada mais é do que um aparelhinho não invasivo, ele é colocado no dedinho ou no pé da criança, geralmente no pezinho da criança e ele mede a oxigenação, a saturação de oxigênio que passa por ali. Esta saturação de oxigênio quando ela é baixa, muitas vezes a gente não consegue determinar a olho nu e através do aparelho a gente consegue perceber. Então este exame é muito importante que seja realizado no neonato, assim que ele tem a possibilidade de realiza-lo, pois aí nós conseguimos identificar algumas cardiopatias que não tem sopro no coração e que não tem nenhuma manifestação de insuficiência cardíaca assim que nasce, porém ele tem uma baixa oxigenação neste momento.

Olga Goulart – É possível saber se o bebê tem uma cardiopatia congênita antes mesmo dele nascer ou o diagnóstico só pode ser feito após o nascimento?

Dr. Bruno Rocha – Precocemente sim. Existem algumas alterações que podem ser suspeitadas através do morfológico, que é aquele exame de ultrassonografia que pode ser feito durante o período do primeiro trimestre de gravidez, por volta das 18 a 20 semanas. O coração do bebê nesta fase já dá para ver que existem aquelas 4 câmaras que eu falei, 2 átrios e 2 ventrículos e eles devem ter o mesmo tamanho, as válvulas devem abrir e fechar a cada batida do coração. O médico que faz isso, que se chama ultrassonografista, também examina as principais veias e artérias do coração, que aparece lá no exame em azul e vermelho se houver o uso de Doppler colorido. Se esse exame, Olga, for alterado ou houver indicação médica de especialista em cardiologia, desenvolve-se ainda no período intrauterino o exame de ecocardiograma fetal, que é feito aí por um especialista cardiologista pediátrico e assim pode-se determinar uma suspeita ou um diagnóstico de cardiopatia intrauterino.

Olga Goulart – Esses exames doutor, são exames muito caros? É possível realizá-los gratuitamente, existe cobertura por planos de saúde?

Dr. Bruno Rocha – A Bahia, em Salvador especificamente, nós temos 3 hospitais com ambulatório que tem estrutura e atendem gratuitamente a população através de agendamento. São o Hospital Martagão Gesteira, o Hospital Ana Nery e o Hospital Santa Izabel, eu trabalho nos 3 hospitais. Os planos de saúde em sua maioria eles cobrem os exames, o recém-nascido quando ele nasce para a orientação dos pais eles ficam sobre a cobertura do plano de saúde dos pais pelos primeiros 30 dias de vida e alguns exames mais caros são reservados para aqueles pacientes que tem a maior necessidade de investigação ou que são cardiopatias congênitas mais complexas, aí precisamos de exames mais complexos.

Olga Goulart – Certo. Agora vamos falar um pouquinho do tratamento. Como é que é feito o tratamento das cardiopatias congênitas e qual que é o papel da cirurgia no tratamento?

Dr. Bruno Rocha – As cardiopatias congênitas elas podem ter tratamento conservador, através de acompanhamento com um médico cardiologista pediátrico com o tempo ou precisar de alguma intervenção. Essas intervenções elas podem ser através de cateterismo cardíaco ou através de cirurgia cardíaca, que é o mais comum. Então o papel da cirurgia no tratamento é um papel extremamente importante, porque com os cuidados de um especialista, ele pode levar a uma resolução muito boa.

Olga Goulart – Doutor, qual que é o especialista habilitado para acompanhar e tratar pacientes com cardiopatia congênita?

Dr. Bruno Rocha – Olga, nós somos médicos divididos em diversas especializações, que é formalmente categorizada pela Associação Médica Brasileira. O médico que faz cirurgia em cardiopatia congênita é o cirurgião cardiovascular, para chegar neste ponto o médico faz um longo treinamento de residência médica que inclui cirurgia geral e cirurgia cardíaca ou cardiovascular e ele tem um título de especialista pela Sociedade Brasileira de Cirurgia Cardiovascular. Além desse período, o médico faz especialização em cirurgia cardiovascular para cardiopatia congênita, conhecido fora do país como Fellow ou Fellowship. Nós trabalhamos sempre em equipe, então outros médicos cirurgiões com especialista cardiologista pediátrico, anestesista, o cardiologista que faz a hemodinâmica, equipe de enfermagem, perfusionista, instrumentador. Portanto, existe um grupo enorme de pessoas que também nas suas áreas de atuação são especializados para poder fazer este tipo de tratamento.

Olga Goulart – Em termos de prevenção há o que se fazer para prevenir este problema?

Dr. Bruno Rocha – Eu acredito que quando houver mais desenvolvimento na genética, na epigenética, a luz desta ciência poderá nos ajudar muito mais. Este é um tópico muito importante, porque eu gostaria de falar para os pais dos portadores de cardiopatia congênita, uma mensagem de carinho para eles, na minha prática de 19 anos de formado eu vejo uma grande aflição e por vezes até culpa destes pais em relação aos seus filhos, sendo que cientificamente, até o ano agora que estamos 2016, não há nada que nós possamos delegar para culpa para presença de alguma malformação cardíaca ou cardiopatia congênita ou síndrome genética que seja, que apresente no seu filho. Portanto, nos resta aqui amá-los e cuidar deles da melhor maneira possível, porque eu acredito que do lado de cá da medicina nós podemos ajuda-los.

Olga Goulart – Em termos de tratamento há muita evolução sempre, não é doutor? Bom, qual que é o prognóstico, ou seja, a evolução destes pacientes?

Dr. Bruno Rocha – Olga, o prognóstico depende do grau de complexidade da cardiopatia congênita. Vou dar alguns exemplos, alguns pacientes operam-se nas primeiras horas de vidas, por exemplo, o portador de bloqueio atrioventricular total congênito, o bebê nasce com a frequência cardíaca muito baixa e precisa que seja implantado marcapasso nas primeiras horas de vida, nos primeiros dias de vida. Ele pode viver normalmente, ou seja, o prognóstico dele é normal, ele ter uma vida normal, porém ele vai precisar da ajuda do aparelho, do marcapasso, para o resto da vida, a princípio.

 Outros bebês são mais complexos, eles precisam de operações em estágios, que são aqueles bebês que são conhecidos como bebês azuis, ou seja, que tem cianose. Cianose é o que? Baixa oxigenação do sangue. Em alguns casos eles também fazem cirurgia no período neonatal, assim que nascem, eles fazem a famosa cirurgia de Blalock-Taussig num período neonatal, depois quando eles falam que tem por volta de 2 anos de idade, por volta, eles fazem uma segunda intervenção que é a cirurgia de Glenn e mais adiante eles fazem uma terceira intervenção que nós chamamos de cirurgia de Fontan.

Então existe um contingente enorme de doenças e apresentações que podem ser operados desde o período neonatal, porém a maioria dos pacientes são operados no período pré-escolar, ou seja, antes dos 5 ou 6 anos de idade e alguns, como foi o caso que a gente comentou, são operados até mesmo na adultidade, mas são casos mais raros. E por fim, existe aqueles em que o tratamento cirúrgico de reparação ou de paliação não é possível e a única solução é o transplante cardíaco.

Olga Goulart – Certo. E a cardiopatia congênita tem cura? É possível depois levar uma vida normal após o tratamento?

Dr. Bruno Rocha – Perfeitamente! Podemos fazer intervenções do ponto de vista cirúrgico, seja do ponto de vista de hemodinâmica e o indivíduo ter uma vida normal para o resto da vida, isso é possível e esse é o nosso objetivo.

Olga Goulart – Maravilha doutor. Conversamos com o médico doutor Bruno Rocha, especialista em cirurgia cardiovascular. Doutor, muito obrigada e até a próxima oportunidade para esclarecer as dúvidas dos nossos ouvintes aqui do portal Viva Mais Viva Melhor, um grande abraço.